Possivelmente nunca ouviu falar nos 2.200 mas sim nos primeiros 1.000 dias de vida compreendem o intervalo entre a conceção e os dois primeiros anos de vida. Posteriormente, passou-se a falar sobre os 1.100 dias, acrescentando também o período de pré conceção. Contudo, em 2022 a Associação Brasileira de Nutrologia recomendou ampliar para 2.200 dias a janela de oportunidade para promoção um ótimo desenvolvimento e crescimento infantil, incluindo os 100 dias de pré-concepção, 270 dias de gestação e 1.830 dias do primeiro ao quinto ano de vida. Os 2.200 dias são considerados como o período ideal de atuação profissional com vista à garantia de saúde presente e futura das crianças. Neste período, existe a possibilidade de intervir nos fatores ambientais que poderão ter impacto na expressão dos genes, através de processos epigenéticos, uma vez que o ambiente pode modificar a informação genética armazenada na sequência de ADN(1).
A preparação para a gravidez deve iniciar a partir do momento em que o casal decide tentar engravidar, o que pressupõe que os cuidados devam ser iniciados antes mesmo da conceção, através da adoção de estilos de vida saudáveis por parte do pai e da mãe, nomeadamente uma alimentação equilibrada, a prática de exercício físico e evitar a exposição a substâncias tóxicas. O foco deste período crítico inicia-se com os cuidados pré-natais e, quando se verifica a ausência de um estilo de vida saudável, seja por excesso ou deficiência, terá impacto no desenvolvimento fetal(2).
Durante a gravidez, ocorre grande parte da proliferação e migração celular seguido de uma explosiva sinaptogénese que origina mais conexões neurais do que alguma vez serão necessárias, o que justifica a poda neuronal durante a infância para aumentar a eficiência neural. No entanto, quando existem deficiências nutricionais este processo fica condicionado, com consequências a longo prazo no desenvolvimento de habilidades sociais e dificuldade de aprendizagem(3). Para além do desenvolvimento neuronal assiste-se, nesta fase, ao desenvolvimento das preferências sensoriais, nomeadamente, os sistemas olfativo e gustativo que emergem no primeiro trimestre de gravidez e atingem a sua maturidade funcional no final da gestação. A capacidade funcional destes sistemas no útero ocorre através do líquido amniótico e providenciam a oportunidade do feto contactar precocemente com sabores e gostos por alimentos saudáveis, quando estes fazem parte da alimentação materna(4). Verifica-se também que fatores pré-natais como a dieta materna, obesidade materna, microbioma e fatores ambientais podem afetar a regulação epigenética, alterando a expressão de genes e proteínas o que pode levar a um maior risco de desenvolvimento de doenças metabólicas, como obesidade, resistência à insulina e diabetes, no bebé, a longo prazo(5).
O período pós-natal até aos 2 anos de idade assume a segunda fase dos 1.000 dias, que à semelhança do período pré-natal é um período crítico para a prevenção de doenças a longo prazo. Procedimentos como o clampeamento tardio do cordão umbilical, o contacto pele a pele e a amamentação iniciada na primeira hora de vida, considerada a “hora dourada” podem contribuir para redução de mortalidade e morbilidade do recém-nascido bem como contribuir para melhorar a sua saúde(2). Segundo recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), da Sociedade Europeia de Gastroenterologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN) e do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) deve ser privilegiado o aleitamento materno em exclusivo durante os primeiros seis meses de vida e a sua manutenção até aos 2 anos de vida, o final dos 1000 dias (6–8). Estudos sugerem que a duração prolongada da amamentação reduz o risco de excesso de peso aos dois anos de idade. Este processo poderá ser explicado pelo facto dos sabores experienciados através do leite materno ou fórmula serem a primeira influência no desenvolvimento do sabor e preferências alimentares. As fórmulas são mais monótonas a nível de sabor, enquanto o leite materno é único a providenciar o contacto com diferentes sabores, os hábitos saudáveis da mãe durante a amamentação facilitará a introdução de alimentos saudáveis, uma vez que os estudos indicam que as crianças são responsivas aos sabores presentes no leite materno e estão associadas a padrões dietéticos mais saudáveis ao longo da vida(4). Durante este período surge também a introdução da alimentação complementar, que quando realizada de forma adequada em termos de macro e micronutrientes, terá um impacto positivo a longo prazo(6). Neste período, é fulcral um aporte adequado de ferro e de ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa, nomeadamente DHA, para um adequado neurodesenvolvimento(8). Também é neste período que ocorre o desenvolvimento do microbiota intestinal, cujas alterações do microbioma pareciam ocorrer até aos 3 anos, contudo, estudos de 2021, sugerem que este período se pode estender até aos 5 anos(1). Após essa data a sua composição mantém-se relativamente estável e similar à de um adulto. Este processo reforça a importância do aleitamento materno e de uma alimentação complementar adequada, dado o seu impacto no desenvolvimento e na prevenção de perturbações associadas à disbiose intestinal.
A partir dos 2 anos, as crianças habitualmente integram a dieta familiar, sendo importante que todo o agregado mantenha hábitos saudáveis e aposte na variedade da oferta alimentar. Este período não deve significar a oportunidade para a introdução do açúcar na alimentação da criança, quando o seu consumo faça parte da rotina familiar. Estudos demonstram que as preferências alimentares das crianças são influenciadas, para além da genética, pela disponibilidade de alimentos e por influências parentais e culturais, que se mantêm até à vida adulta. Crianças que crescem de acordo com um estilo alimentar pautado pelo consumo de frutas e vegetais com uma restrição moderada de alimentos pouco saudáveis parecem ter hábitos alimentares mais saudáveis ao longo da infância(8). Neste sentido, o papel da família é fulcral na promoção de hábitos saudáveis e prevenção da obesidade infantil, realidade que, em 2019, afetava 1/3 das crianças sofre de excesso de peso (incluindo obesidade)(9). Ainda que Portugal tenha passado do 2º país europeu com maior prevalência de excesso de peso infantil, em 2008, para o 14º, em 2019, continua a ser uma preocupação a luta contra o excesso de peso e obesidade infantil.
Na idade pré-escolar o ato de comer já não é apenas considerado um ato de ingestão de nutrientes mas é visto também como uma forma de prazer e identidade cultural e familiar. Nesta fase as relações estabelecidas servem como protótipos para o futuro, pelo que na alimentação não difere, o consumo de alimentos saudáveis associados a momentos tranquilos e de qualidade com os pais fará com que as crianças não olhem para esses alimentos com a memória de más experiências. No entanto, nem sempre é uma tarefa fácil para os pais encontrar a forma de contornar os problemas associados à dificuldade das crianças em comer determinados alimentos, que muitas vezes originam birras e fazem com estes percam o controlo da situação e numa tentativa de a remediar acabem por ceder aos caprichos das crianças. O que remete para a importância do nutricionista na definição de estratégias e ferramentas para facilitar este processo.
O nutricionista será uma peça fundamental ao longo destes 2.200 dias, otimizando esta janela de oportunidade em benefício da saúde presente e futura das crianças.
Na Clínica Daniela Seabra a Dra. Çagla Sen, é a nutricionista materno-infantil e que lhe pode dar o apoio que precisa.
Para mais informações contacte-nos para o email info@danielaseabra.pt ou ligue-nos 224914193.
1. Nogueira-de-Almeida CA, Ribas Filho D, Weffort VRS, Ued F da V, Nogueira-de-Almeida CCJ, Nogueira FB, et al. Primeiros 2.200 dias de vida como janela de oportunidade de atuação multidisciplinar relativa à origem desenvolvimentista de saúde e doença: posicionamento da Associação Brasileira de Nutrologia. Int J Nutrology. 2022;15(3):1–22.
2. Gariso S. Estudo exploratório das necessidades de educação parental na prevenção da obesidade infantil: as realidades brasileira e portuguesa [Internet]. Unoversidade do Minho; 2014. Available from: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/35873/1/Tese Silvia Gariso.pdf
3. Scott JA. The first 1000 days: A critical period of nutritional opportunity and vulnerability. Nutr Diet. 2020;77(3):295–7.
4. Simione M, Moreno-Galarraga L, Perkins M, Price SN, Luo M, Kotelchuck M, et al. Effects of the First 1000 Days Program, a systems-change intervention, on obesity risk factors during pregnancy. BMC Pregnancy Childbirth [Internet]. 2021;21(1):1–9. Available from: https://doi.org/10.1186/s12884-021-04210-9
5. Martorell R. Improved nutrition in the first 1000 days and adult human capital and health. Am J Hum Biol. 2017;29(2):1–12.
6. Díaz-Rodríguez M, Pérez-Muñoz C, Carretero-Bravo J, Ruíz-Ruíz C, Serrano-Santamaría M, Ferriz-Mas BC. Early risk factors for obesity in the first 1000 days—relationship with body fat and bmi at 2 years. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(15).
7. Pietrobelli A, Agosti M, Palmer C, Pereira-Da-Silva L, Rego C, Rolland-Cacherà MF, et al. Nutrition in the first 1000 days: Ten practices to minimize obesity emerging from published science. Int J Environ Res Public Health. 2017;14(12).
8. Fewtrell M, Bronsky J, Campoy C, Domellöf M, Embleton N, Mis NF, et al. Complementary feeding: A position paper by the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (ESPGHAN) committee on nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2017;64(1):119–32.
9. Rito I, Mendes S, Baleia J, Gregório MJ. Surveillance Childhood Obesity Initiative – COSI:2019. 2021. 112 p.
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